sexta-feira, 23 de julho de 2010

Não consigo comer o mesmo tanto que vocês

É difícil não entrar no ritmo que me coloca o mundo.
Difícil não fazer parte do sistema.
Muitas pessoas não entendem o que faço e não conseguem ver ordem em minha vida.
Que ordem?
Ordem de quem?

Não.
Não estou em frente à televisão no horário das novelas e nem dos jornais noturnos.
Não, meus horários não me permitem estar em trânsito entre às 18:00 e 19:00.
Não, meu sono não segue um padrão regular como os ônibus desta cidade. Um intervalo noturno.
E não, principalmente a minha fome, minha vontade de comer, os horários do meu corpo não se reduzem especificamente ao meio-dia, sentada ao redor de uma mesa, comendo. Almoço: a principal refeição do dia.
Estou fora desse principal, não me encaixo.
Meu corpo não obedece a esses horários e de todas as imposições, e por mais terrível que isso possa parecer a você, essa foi a que eu nunca consegui me encaixar.
Estou fora dos almoços, fora dos desjejuns e dos jantares seguindo um cronograma de horas repetitivo e bem marcado. "As três refeições majoritárias para uma boa alimentação".

Meu sono segue os latidos da minha cachorra e os impulsos de cansaço do meu corpo combinado com cafeína.
Meus horários seguem o meu nível de produção escrita, que não são nunca previsíveis pois estão ligados às minhas emoções.
E minha fome segue apenas a minha vontade de comer.
Ela aparece quando bem entende e geralmente é tardia.
Ela não aceita qualquer comida e não se prende simplesmente a vontade de comer, até mesmo porque quase nunca sente fome.

Estou bastante fora do sistema.
Se perco o sono, fico 2 ou 3 dias lendo e escrevendo.
Com o cansaço, durmo o mesmo tanto seguido.
Esse é meu ritmo.
Isso é a falta de rotina.

Mesmo assim, sinto as forças coercitivas e quase todas inconscientes que tentam me colocar nos horários "saudáveis" de uma vida normal, com hora pra tudo.
Mesmo assim, me habituei aos olhares e às expressões de espanto tentado entender como ainda consigo viver.
Mesmo assim, já sei os conselhos que me dirão sobre a saúde e sobre a velhice; sobre o tempo e sobre uma vida "tranquila".

Mas quem disse que não tenho uma vida tranquila?
E quem disse que quando faço as refeições dentro do padrão eu fico "saudável"?
Se enganam todos vocês.
Eu entendo e considero o espanto de muitos, ainda é inconsciente e sincero por terem sido tão bem moldados dentro do que é o "normal" ao ponto de não conseguirem entender outras formas de vida.
Fácil? Bem, nem tanto.
Pois de qualquer forma, estar fora do padrão nunca é mais fácil do que estar dentro.

Só que não consigo comer o tanto de vezes que vocês comem.

E não estou pensando em ordem quando deixo o meu corpo dizer o que ele quer, ao invés de empurrar-lhe comida e sono e um ritmo que não é dele.
A minha vida não depende de uma ordem externa, como a de vocês, como é fazer parte do sistema.
A minha vida depende de uma ordem interna.
E assim, vivo bem.

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