sábado, 27 de novembro de 2010

Manda quem pode, obedece quem tem juízo

Na vida ou se é oprimido, ou se é opressor.
Não há outra saída, e mesmo sendo só essas as opções, não há várias maneiras. No final, ou no mais profundo existem apenas essas duas faces: opressor e oprimido.
Não existe "equilíbrio"; não há acordo e muito menos há consenso.
A vida não é simples, ela é complicada.
Nunca teremos as mesmas chances, nem os mesmos sentimentos.
Nunca sentiremos diante do mesmo episódio as mesmas emoções, e nem teremos as mesmas lembranças dele.
Nunca falaremos do mesmo lugar.
Nunca gostaremos da mesma coisa no mesmo instante e nem do mesmo jeito.
Nunca faremos o que os outros esperam que façamos, e nunca farão os outros o que gostaríamos que fizessem.
Nunca olharemos com o mesmo olhar para a mesma coisa.
Nunca nos entenderemos.
E talvez, até nunca falaremos exatamente da mesma coisa, mesmo sendo o mesmo assunto.
Seremos sempre essa incompletude.
Carregaremos sempre uma falta, que é um espaço que apenas nos pertence.
Isso é o que nos torna "eu" e Outro.
Você será sempre o meu Outro, o meu diferente.
Esse espaço é o lugar da diferença.
No mais íntimo das relações humanas resta forte a marcação: "eu" e Outro, "eu" e o diferente.
E, portanto, há sempre um opressor e um oprimido.
É o espaço da diferença que causa a tensão que sempre existirá entre, no mínimo, dois corpos.
Tensão em que um tem que ceder. Geralmente, cede o mais fraco, que tem menos poder, que é oprimido.
Cede por obrigação, cede por violência, cede com ódio, com raiva, com ressentimento e angústia.
Cede porque não há outra saída, outra opção.
Papéis que mudam de um para o outro, que são exercidos por ambos em momentos distintos.
Ora somos o oprimido, ora somos o opressor.
É essa a tensão que rege o mundo, que traz a complexidade de viver e que terrifica as relações humanas.
Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Ou somos os oprimidos, ou somos os opressores.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Desenrêdo - Terceiras Estórias

Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor.
...

Então ao rigor geral os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em sua forma local, conforme o mundo é mundo.
...

Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.
...

Esperar é reconhecer-se incompleto.
...

Dependiam eles de enorme milagre. O inebriado engano.
...

Até que - deu-se o desmastreio. O trágico não vem a conta-gotas.
...

Diz-se, também, que de leve a ferira, leviano modo.
...

Ela - longe - sempre ou ao máximo mais formosa, já sarada e sã. Ele exercitava-se a aguentar-se, nas defeituosas emoções.
Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impossível?
...

O tempo é engenhoso.
...

Mas.
...

Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se seguem e parafraseiam-se. Deu-se a entrada dos demônios.
...

Triste, pois que tão calado.
...

Era o seu amor meditado, a prova de remorsos.
...

Mais.
...

A bonança nada tem a ver com a tempestade. Crível? Sábio foi Ulisses,
que começou por se fazer de louco.
...

Deseja ... a felicidade - ideia inata.
...

Entregou-se a remir, redimir ... à conta inteira. Incrível? É de notar que o ar vem do ar. De sofrer e amar a gente não se desafaz.
...

Trouxe à boca-de-cena do mundo, de caso raso, o que fôra tão claro como água suja. Demonstrando-o, amatemático, contrário ao público pensamento e à lógica, desde que Aristóteles a fundou. O que não era tão fácil como refritar almôndegas. Sem malícia, com paciência, sem insistência, principalmente.
...

O ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisa, acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados testemunhos. ... genial, operava o passado - plástico e contraditório rascunho. Criava nova, transformada realidade, mais alta. Mais certa?
...

Haja o absoluto amar - e qualquer causa se irrefuta.
...

Pois, produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram-se os pontos das reticências, o tempo secou o assunto. Total o transato desmanchava-se, a anterior evidência e seu nevoeiro. O real e válido, na árvore, é a reta que vai para cima.
...

Chegou-lhe lá a notícia, onde se achava, em ignota, defendida, perfeita distância. Soube-se nua e pura. Veio sem culpa.
...

Três vezes passa perto da gente a felicidade. ... retomaram-se, e conviveram, convolados, o verdadeiro e melhor de sua útil vida.


Guimarães Rosa

terça-feira, 9 de novembro de 2010

é perigoso...

Não se brinca com o sentimento alheio.
Não é digno não importar com o que se diz importante.
Não é digno olhar e pensar sempre em si mesmo, fechar primeiro suas feridas ao custo de afastar o outro que tem as suas abertas.
Não é bom desamparar quem precisa... e não creditar que aquilo que ele sente é realmente sentido e dolorido tanto quanto o que se sente.
Não é respeito achar que se sofre mais e não dar importância ao que sofre o outro.

De todas as coisas só sobrou a calma e eu, só.
De tudo o que foi prometido, disposto e sonhado, restou o eu só.
No fim, ou no meio, ou em qualquer parte, restamos sozinhos, sozinhos, como viemos ao mundo e como morreremos: sozinhos.

Sozinhos estamos desde o início e assim terminamos.
A grande ilusão é estarmos em sociedade, convivermos.
Isso nos dá trabalho e nos entrete, criando a ilusão entre a solidão e a companhia porque inverte a ordem de qual vem primeiro e de qual está presente ao final.

O que a vida me ensinou de mais forte até hoje é que somos seres sós.
É que sempre estou só, sozinha, mesmo com alguém ao lado.


...


Por isso, não me diga não ser assim.
Não me feche por todos os lados, pois você não irá conseguir.
Não se dá conta inteiramente de alguém.
Saiba que você é humano também e, como eu, está só.
Então, não faça promessas que não pode cumprir.

Não ache que a vida é fácil ou dura demais.
Não ache minhas palavras duras e grosseiras.
Elas são simples, talvez seja isso que tanto te dói: simplicidade...
Elas são francas.


...


Não se pode brincar com o sentimento alheio...
é perigoso.

sábado, 6 de novembro de 2010

A eleição de uma mulher é tida como um marco positivo de democratização."

W. Stokes.

Dilma Roussef foi eleita presidente do Brasil!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Fizeram uma oração pra mim, me mandaram por escrito e a frase mais linda é:

"Ajude-a a brilhar nos lugares mais obscuros onde é impossível amar."


Amém!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Sina

É assim: a muié fica em casa e o homi sai pra tabalhar. Ela faz toda a faxina na casa, ou melhor, todos os afazeres domésticos enquanto ele trabalha lá fora, na rua. Vai chegando 11:00 hrs e ela olha pro relógio um pouco aflita, o almoço ainda vai demorá... 12:00 ele chega pra almoçá. Ele chega cansado, morto de fome e só quer um prato. Ela correndo coloca a comida, está quase tudo pronto, mas mesmo assim ela coloca o feijão com o caldo ainda pra engrossar. Se passar do 12:00 o homi briga, fica com cara ruim, fecha o dia em casa pra muié. "Que que muié fica fazendo tanto que não termina esse almoço na hora que tem de terminar?? Já sabe que chego essas hora, uai!"
Depois vai tirar um cochilo e pô os pé pro ar. Ela ainda vai trabaiá, lava as vasilha do almoço que é pra quando chega tarde da noite em casa, do trabalho de fora, ainda não ter que limpá. Termina o cochilo e as perna pro ar, o homi está pronto pra voltá. Termina as vasilha e de banho pronto, a muié sai junto pra ir também trabalhar. E depois chega ele e ela mais entrando pra noite. Ele sai antes dela, lá pelas cinco da tarde, mas de lá parte pro bar com os colegas pra tomar uma cervejinha esperta. Ela sai sete da noite e os dois chegam juntos em casa, é mais ou menos sete e quarenta ou oito da noite, se o ônibus num atrassar.
De lá, ele senta no sofá e liga alto a tevê. De cá, ela esquenta as coisas pro jantá. Antes das nove, tudo pronto e lá vão os dois se sentá de frente a tevê com o prato na mão: hora do lazer. Depois ele fica de lá, e ela volta pra cá. Motivo: lavá as vasilha do jantá. Depois de cabá, ela dá uma volta pela casa e vê e arruma o que está fora do lugar. Ele ri do cara na televisão.
Ela vai banhá, depois ele vai. Já são mais de dez da noite, está tarde. Depois deitam na cama e por sorte começam um pouco a conversar, ou, por outra começam a fornicar. Logo acaba e os dois vão de verdade se deitar.
Mais um dia.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Amores trazem felicidade logo cedo,

pela manhã!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Amores doem...

muito.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Nosso desejo de voar...

"...o homem, preso por todos os lados à realidade terrena, desej[a] voar."     
Dravet.

Existe uma ânsia pelo que é simples e pelo que está além dessa "terrenidade".
Isso pode ser buscado e entendido pelo lado religioso, místico, imaginário, fantasístico.
Ou pode ser percebido como um descontentamento em não estar perto do céu...
Em não poder suspender-se em horas difícieis, ou simplesmente suspender-se para olhar do alto, de outros ângulos.

A suspensão de - se desse e por alguns instantes ao menos - colocar-se além da dor, do desespero, da insegurança, da angústia, da maldade.
Também, a suspensão de ir além nas horas extremas de felicidade, de expandir-se quando a plenitude de uma paixão ou de uma alegria muito forte nos invade e nos faz transbordar, de tentar levar essa felicidade a outros sem deixá-la somente conosco.
E a suspensão do êxtase, de parecer simplesmente elevar-se e ir subindo aos poucos, devagar, tranquilamente...


Céu e nuvens...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

instante

deixemos passar o instante.
sussurrando cálido entre suspiros.

não há como tocá-lo,
enquanto ele se esvai.

como areia pura nos dedos,
a prece,
a escolha,
o deleite,
.............. ou lamento,
a memória.
.............. ou esquecimento.

quando se diz:
sossega coração...
que o instante só é,
enquanto passa.



anne



Hoje eu só quero o instante. Esse que chega e vai, e que suspende o tempo.
Ele pára o tempo e o deixa lá, como se fosse transcendente ao que é temporal.
Como se sua própria natureza não fosse formada pelo tempo.
É parar e vê-lo passar...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

reviravolta

Caí na minha própria armadilha.
Naquilo que eu disse que não queria.
As paredes do castelo foram ruindo aos poucos nem tão poucos assim.
Mas caíram em blocos grandes, uma após a outra, sem simultaneidades.
Pelo tamanho das pedras que rolavam, os buracos deixados eram enormes e me assustavam, me deixavam confusa.
E apesar de não ser simultâneo o processo, uma caía logo após a outra. E assim íam rolando, desabando...
Me desmoronando.

Eu não queria, e você sabe que eu não queria.
Mas, nesses casos não se tem muita escolha...
De repente as coisas acontecem e a gente nem imaginava...rs.
Trem.

Caí na minha própria armadilha.
Naquilo que eu nem acreditava e nunca acreditei.
São seus planos que, quando vejo, dormi e sonhei com eles também.
Me apaixonei.
Me apaixonei.

domingo, 26 de setembro de 2010

Seus Planos

tudo no teu sorriso diz
que só lhe falta um pretexto
para seres feliz.

(mário cesariny)


Pois quando você os diz seus olhos brilham sorrindo.

E eu me apaixono ainda mais!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Em que nível a culpa pode me prender?
E em que nível o medo produz a culpa? Ou a culpa produz o medo?
Como eles se alimentam, um do outro? Intensamente?
A culpa não é o medo.
E o medo... vem com a culpa?
Os loucos enlouquecem os sãos.

dia vinte e três de setembro

Os dias são vazios e secos.
Setembro veio sem piedade, cobrar o de agosto que não foi tão triste assim.
E vc... que saudade e vontade de te ver.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nuvens

As nuvens são para não serem vistas. Mesmo um menino sabe, às vezes, desconfiar do estreito caminhozinho por onde a gente tem de ir - beirando entre a paz e a angústia.



Guimarães Rosa

E vi as borboletas

E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.


 
 
Manoel de Barros

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

momento presente

Iremos juntos separados,


as palavras mordidas uma a uma,

taciturnas, cintilantes

- ó meu amor, constelação de bruma,

ombro dos meus braços hesitantes.









Eugénio de Andrade

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Meu Lar

São Paulo.
O céu abafado, pesado, de uma densidade que impede ver as nuvens.
A estrada chegando... os canaviais! O vento frio e uma determinada secura.
Sentir o cheiro dos laranjais... pronto, estou em casa!
É a volta pra casa. É a sensação de estar em casa.
É o meu lar.

É onde eu sou e me sinto parte.
É onde eu gosto de estar, onde é meu lugar.
É uma relação de pertencimento.
Eu pertenço àquele lugar, àquela região, àquele céu abafado, pesado.
É o cheiro dos laranjais que me constroem, que me impulsionam.
Os cheiros dos laranjais que me acalmam e me trazem o melhor de mim, me povoam de lembranças...
Foram eles que me formaram, onde eu me criei e comecei a entender os sentidos do mundo, da vida.

São Paulo é a parte boa, a melhor que carrego comigo.
Meu segredo.
Aquilo que pertence só a mim.
É o melhor de mim, é minha infância e minha juventude.
É o encontro delas com a minha adolescência.
São Paulo é o meu encontro com o mundo, com a diversidade, com a cultura, com a diferença.
Com o que é bom e gostoso.
Minha porta de entrada nesse mundo gigante e maluco, triste e opressor, cansativo e entendiante.

Meus anos felizes, e os mais felizes.
Minha saudade apertada do gosto bom de viver!
E a nostalgia que sempre fica misturada com uma certa tristeza em deixar minha terra, minha casa, meu lar.
Em sair de lá, em voltar.
Como uma obrigação a volta, apenas como algo que deve ser feito.

Hoje é difícil me sentir bem e preenchida em qualquer outro lugar.
Hoje, São Paulo é minha falta.

E como expressou tão bem Caetano...

"Alguma coisa acontece no meu coração..."

domingo, 5 de setembro de 2010

Deixa eu te ver melhor?

"Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos olhos dela. Ela também olhava direto nos olhos dele. (...) subitamente muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão. Quase falou. Mas ela piscou primeiro. Desviou os olhos...


(...)

-Foi boa aquela noite, não foi?
-Foi - ela concordou. - Tão boa, parecia filme. - Estendeu a mão por sobre a mesa, quase tocou na mão dele. Ele abriu os dedos, certa ânsia. Saudade, saudade. ..."




Caio Fernando de Abreu

Amigos - esses são meus amigos - amo vocês!

Descobri no outro dia que há um limite de amigos no facebook: 5000. Na vida real, felizmente, são muito menos. Talvez entre 6 a 10 amigos. Para quem tiver dúvidas sobre o número exacto, nada melhor do que começar por fazer algumas perguntas, cuja resposta tem como exigência ser apenas um número. Daqueles a quem chamamos amigos, quantos nos iriam buscar à China? Quantos se levantariam de noite para levar o nosso gato ao hospital veterinário? Quantos ficariam com os olhos a brilhar se nos avistassem ao longe? Quantos conseguiriam adivinhar o nosso pensamento antes de nós? E quantos nos emprestariam dinheiro e fingiriam ter-se esquecido disso? Com quantos poderíamos partilhar um segredo e saber que ele continuaria a ser isso mesmo, um segredo? Quantos nos visitariam no hospital? (a pergunta deve ser feita com vários exemplos de doenças, que necessariamente terão respostas diferentes). Quantos teriam paciência para ouvir o nosso coração despedaçado ao telefone durante várias horas, a repetir os mesmos pedaços de frases? Quantos esperariam uma hora e meia por nós com um sorriso no rosto? Quantos se preocupariam realmente em saber se tinhamos chegado bem a casa, depois de um encontro? Com quantos poderíamos estar uma hora em eloquente silêncio? E finalmente, uma pergunta noutro tempo verbal: quantos irão ao nosso funeral?



Texto - que traduz o que é amizade pra mim - de Maria João Freitas

domingo, 29 de agosto de 2010

cabeça...

chacoalha, chacoalha, chacoalha!

cheia de coisas.
cheia de coisas.

cruza, passa, volta, sai.
amarra, anda, grita, pula.
entra e gira.
só não pára.
não pára...

cabeça, cheia cabeça!
efervescência.
não consigo dormir, só fechar os olhos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Despe-te de verdades
das grandes primeiro que das pequenas
das tuas antes que de quaisquer outras
abre uma cova e enterra-as
a teu lado
primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
e não possuías mácula senão a de um nome estranho
depois as que crescendo penosamente vestiste
a verdade do pão a verdade das lágrimas
pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrêla
depois as que ganhaste com o teu sémen
onde a manhã ergue um espêlho vazio
e uma criança chora entre nuvens e abismos
depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
quando lhes forneceres a grande recordação
que todos esperam tanto porque a esperam de ti
Nada depois, só tu e o teu silêncio
e veias de coral rasgando-nos os pulsos
Então, meu senhor, poderemos passar
pela planície nua
o teu corpo com nuvens pelos ombros
as minhas mãos cheias de barbas brancas
Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
e um silêncio de morte à nossa passagem





Mário Cesariny

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

um desabafo

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.

Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.



Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.

 
 
Cecília Meireles
Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem



Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

 
 
Mário Cesariny
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem

(...)

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.



Mário Cesariny

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

um feminino deslocado e transgressor

Quando penso em parar de escrever, parar de estudar e sair, curtir a tarde, algum caso, ver novelas bobas ou até ir ao cinema, sinto algo que me prende.

Conversar, ver vitrine, ter um namorado, se importar sobre cabelo, unhas, maquiagem, manter a forma - estrita forma! - magra e de "mulherão", fazer as sobrancelhas, ser amorosa, cuidadosa, atenciosa, meiga e dócil, (ops!) quer dizer, ser doce.
Mas tão nova, não tem interesse em sair, não quer conhecer gente nova, arranjar um namorado - e mantê-lo!, não pensa em casar, ter filhos...
Quando não estuda faz coisas estranhas, não se socializa, sempre os mesmos amigos, os mesmos lugares, e em casa por gostar de estar em casa sendo solteira e jovem???
Isso é uma loucura!

Poderia, bem que poderia, mas não cabe.
Não é isso que eu quero. Não é isso que está aqui dentro de mim, chamando minha atenção.
Esse tempo, tempo inútil, perdido fazendo coisas que não me agradam; que agradam os outros.
Me controlar em um acesso de fúria, de raiva. E a mais sincera irritação? Não, não.
Pra ser meiga, doce e passiva? Ah, passiva! Não, não sou passiva.
E isso destrói os seus castelos de areia construídos a minha volta.
Isso destrói as imagens que você fez de mim.
Eu destruo o que você procura em mim.

Desculpe, meu bem, mas sou mais do que você pensava em ter, e aí está o por quê de sua admiração;
e sou mais do que você queria ter, e aí você entra em choque porque existem tantas coisas em mim que são inconciliáveis e que não cabem no sonho perfeito do amor, onde eu, a mulher, sou a que abro mão, a que sempre cede.

Sim, gosto de unhas grandes e de cores nelas. Gosto dos cachos que saltam da minha cabeça.
Mas que fique claro que isso é gostar e que é meu, não seu, não de um mundo masculino que fecha as minhas pernas e as cruzam como sinal de bem lacrado.
Desse mundo masculino que olha para as minhas saias e dizem ser curtas demais, afinal, "Que mulheres usam saias curtas? Você até estuda!"
Meu bem, não me mande trocá-las. Não exerça em mim os seus comandos masculinos, com a sua voz grave e séria, pesada.
Não é assim a voz masculina?
E a feminina? Histérica?
Talvez.

E é aí que não consigo ficar longe do teclado e dos livros. Realmente, é pra isso que eu "até" estudo.
Para retirar essa concepção de feminilidade passiva e dócil - dócil sim, como um animal a ser domesticado.
Para desconstruir o que falam de mim em um mundo machista e masculino.
Estou deslocando você.
Transgrido normas, comportamentos, pensamentos; enquanto que outros eu aceito de bom grado. E isso, isso meu bem, te deixa louco!
Sem entender o que está acontecendo. Sem saber se me amaldiçoa, ou se me beija.

Sou progenitora e portadora da vida. Sou eu quem a continuo, quem carrego essa possibilidade dentro de mim.
Mas, olha só, não há mais ciclos menstruais, nem TPM's nervosas e depressivas, nem a lembrança dessa fecundidade todos os meses.
Não há.
O que há, então?
Há dias com níveis estáveis de hormônios circulando pelo meu corpo.
O que houve?
Houve a decisão, minha, de não querer me lembrar da possibilidade de vida que levo.
Houve a vontade de sentir raiva apenas porque o mundo me enraivece constantemente.
E de dizer, mesmo sem essa marca maior das mulheres: Eu sou uma mulher! Isso também é ser mulher!

É por isso que sento e fico horas escrevendo e lendo. Vendo o corpo da escrita se formar lentamente.
Livros como torrentes, ideias e teorias "nem sempre producente".
O caos desta mesa, o amontoado de letras.
Ao lado, peças pintadas, desenhos, gestos e fisionomias congeladas.
De repente, levanto-me, pego um copo d'água e ando pela casa.
É uma falta de lugar.

"A mulher se pergunta quantas vidas seriam necessárias para se fazer tudo. Ler os livros necessários, amar os amores felizes, gozar os corpos agradáveis, dizer as palavras certas, escrever a tese inevitável, elucidar as dúvidas e justificar escolhas, ser mal compreendida, sofrer as perdas irrecuperáveis, mudar o cabelo de vez em quando, entender o que deve ser entendido, fazer-se entender no que deve ser entendido."

E eu respondo: uma.

"É necessário reconhecer o prazer de fazer o que faz, mesmo que em alguns momentos seja penoso, o corpo cansado das longas horas e das longas páginas nem tão longas assim. Estar acordada enquanto todos dormem. Conforma-se em ser uma adiadora. P/rever a percepção de seus caprichos. Acadêmicos. Outros. É necessário saber que uma outra cidade antiga/nova/insuspeita a espera e espreita de dentro de sua longínqua existência."



Com a participação de Luciana Borges, entre as aspas.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

o coração vive das sombras de uma aroma. ...esse iludido

Provavelmente porque o ser se intranquiliza
de já não ser o que ia sendo; intensamente,
porque as fogueiras de um martírio impenitente
são seus triunfos, seus troféus cheios de cinza;
e finalmente porque tudo o que agoniza
quer promulgar, solenizar o impermanente,
o coração, naquele fundo ambivalente
da coisa humana, momentâneo como a brisa,
mas persuadido de que as músicas da mente
hão de reter do ser mais do que uma soma,
o coração vive das sombras de um aroma.
Só muito raramente esse iludido sente
a força de acordar antes que a luz cadente
o deixe louco como à mosca na redoma.




Bruno Tolentino

mas... eu amo la trama más que el desenlace.

te vi cambiar tu paso,
hasta ponerlo en fase,
en la misma fase que mi proprio paso...

...amar la trama más que el desenlace.


jorge drexler
quando as mãos se desprenderam,
braços me carregaram.
quando o abraço se soltou,
uma ciranda em volta de mim se formou.
quando a dor me tirou o sono e a respiração,
outros sonos foram tirados e mais olhos vigiavam comigo os amanheceres.
quando o amor não suportou,
a amizade me encontrou e firme me segurou.

às vezes entramos em um mundo cheio de ilusão.
pobre de mim, coração, que não soube ser ilusório.
pobre de mim, corpo, que ficou frio e ressecado.
pobre de mim, mente, presa em suas lembranças confundidas com a imaginação.

amores, amores, amores...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

...um peixe dentro do vento.

O que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados?
Respondo que o oceano sabe.
Por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
Quem as algas apertam em seus braços?,
perguntas mais firme que uma hora e um mar certos?

Eu sei perguntas sobre a presa branca do narval e eu respondo contando
como o unicórnio do mar, arpado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador
que vibram nas puras primaveras dos
mares do sul.

Quero te contar que o oceano sobre isto:
que a vida, em seus estojos de jóias,
é infinita como a areia incontável, pura;
e o tempo, entre uvas cor de sangue,
tornou a pedra lisa, encheu a
água-viva de luz, desfez o seu nó,
soltou seus fios musicais de uma
cornicópia feita de infinita madrepérola.

Sou só uma rede vazia diante dos
olhos humanos na escuridão
e de dedos habituados à longitude
do tímido globo de uma laranja.
Caminho como tu, investigando
as estrelas sem fim e em minha rede,
durante a noite acordo nu. A única
coisa capturada é um peixe dentro do vento.

Pablo Neruda

Imutável...

Nesta claridade silenciosa e pálida
os vultos deslizam como sombras
no entanto nítidos e contornados
por um brilho que entontece o olhar.

Há uma distância incomensurável
entre nós. E dir-se-ia que
nenhum gesto é bastante para os atingir.
O tempo se fez distância.

Paralisado em transparência gélida
eu não mudei porém. Pelo contrário
é como se contido o ardor fosse maior.

E doloroso mais. Porque de antigamente
o não-ter e o perder ainda eram
certeza de atingir, senão de amor.

[...]



Jorge de Sena

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Doce resquício

A tarde tomando seu café doce, extra doce.
Foi uma tarde gostosa, lenta e que embriaga.

Depois de sair da sua casa fui tomar outro café. Na verdade, fui jantar.
Mas depois do jantar tomei um café sem açúcar.
Ele me pôs novamente no meu eixo, como se me restituísse o meu ritmo.
E me desligou da tarde de hoje. Ela passou a ser, muito facilmente, uma lembrança distante, porque pareceu algo de fora, de outra época.

Três longos cafés doces, em uma tarde inteira.

Um breve café amargo, no final da noite.

O doce da tarde ficou raspando minha garganta, mas era de leve, parecia uma nostalgia. Aquele resquício que permanece quando o fato já passou.

Então, quer dizer...
Não, não como uma lembrança distante, mas como uma sensação de bem-estar, de prazer em passar a tarde.
E é como se o amargo do fim da noite me tornasse um pouco consciente do que aconteceu, me tirando desse estado prazeroso de embriaguez.



O amargo café, em outro ambiente, com outras pessoas...

Volto para casa.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Não consigo comer o mesmo tanto que vocês

É difícil não entrar no ritmo que me coloca o mundo.
Difícil não fazer parte do sistema.
Muitas pessoas não entendem o que faço e não conseguem ver ordem em minha vida.
Que ordem?
Ordem de quem?

Não.
Não estou em frente à televisão no horário das novelas e nem dos jornais noturnos.
Não, meus horários não me permitem estar em trânsito entre às 18:00 e 19:00.
Não, meu sono não segue um padrão regular como os ônibus desta cidade. Um intervalo noturno.
E não, principalmente a minha fome, minha vontade de comer, os horários do meu corpo não se reduzem especificamente ao meio-dia, sentada ao redor de uma mesa, comendo. Almoço: a principal refeição do dia.
Estou fora desse principal, não me encaixo.
Meu corpo não obedece a esses horários e de todas as imposições, e por mais terrível que isso possa parecer a você, essa foi a que eu nunca consegui me encaixar.
Estou fora dos almoços, fora dos desjejuns e dos jantares seguindo um cronograma de horas repetitivo e bem marcado. "As três refeições majoritárias para uma boa alimentação".

Meu sono segue os latidos da minha cachorra e os impulsos de cansaço do meu corpo combinado com cafeína.
Meus horários seguem o meu nível de produção escrita, que não são nunca previsíveis pois estão ligados às minhas emoções.
E minha fome segue apenas a minha vontade de comer.
Ela aparece quando bem entende e geralmente é tardia.
Ela não aceita qualquer comida e não se prende simplesmente a vontade de comer, até mesmo porque quase nunca sente fome.

Estou bastante fora do sistema.
Se perco o sono, fico 2 ou 3 dias lendo e escrevendo.
Com o cansaço, durmo o mesmo tanto seguido.
Esse é meu ritmo.
Isso é a falta de rotina.

Mesmo assim, sinto as forças coercitivas e quase todas inconscientes que tentam me colocar nos horários "saudáveis" de uma vida normal, com hora pra tudo.
Mesmo assim, me habituei aos olhares e às expressões de espanto tentado entender como ainda consigo viver.
Mesmo assim, já sei os conselhos que me dirão sobre a saúde e sobre a velhice; sobre o tempo e sobre uma vida "tranquila".

Mas quem disse que não tenho uma vida tranquila?
E quem disse que quando faço as refeições dentro do padrão eu fico "saudável"?
Se enganam todos vocês.
Eu entendo e considero o espanto de muitos, ainda é inconsciente e sincero por terem sido tão bem moldados dentro do que é o "normal" ao ponto de não conseguirem entender outras formas de vida.
Fácil? Bem, nem tanto.
Pois de qualquer forma, estar fora do padrão nunca é mais fácil do que estar dentro.

Só que não consigo comer o tanto de vezes que vocês comem.

E não estou pensando em ordem quando deixo o meu corpo dizer o que ele quer, ao invés de empurrar-lhe comida e sono e um ritmo que não é dele.
A minha vida não depende de uma ordem externa, como a de vocês, como é fazer parte do sistema.
A minha vida depende de uma ordem interna.
E assim, vivo bem.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Génesis

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.


Nem de existir,que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver,que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.


Por mais justiça ...-Ai quantos que eram novos
em vâo a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusâo dos povos!


Não há verdade:O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais,todos mentiram.

 
Jorge de Sena

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pequei

Eu pequei. Pequei o pecado original.
Então me arrependo
peço misericórdia a Deus.

Natureza pecaminosa
é a minha.
Não participo da santidade,
não estou entre os santos,
por isso, peço perdão.

Sou dos que tremem diante da glória.
Não sei ser santa, e
Senhor, como é difícil
tentar ser.

Sim, sou pecadora
e em mim jogam milhares de pedras.
Misericórdia, Senhor.
Misericórdia...

Só que não é você,
Senhor,
quem me joga pedras.
Elas não vem de cima, mas me atacam nas pernas
machucam
meus pés.
Algumas acertam na altura do tronco,
barriga,
seios
- os quais chamam imundos.

As pedras vem dos lados, Senhor.
São os outros quem atiram.
Estão do meu lado
em volta de mim.

De mim querem tampar minha vergonha
e querem também que eu não chore,
afinal, estão eles no direito deles de
reagir atacando
ao que é anormal, diferente,
ao que ninguém esperava
ou imaginava
ou entende.

O que eu fiz, Senhor?
Pequei.
Peço perdão.
Sou pecadora
e estou sangrando.
com as cicatrizes que não fecham
com machucados novos
 - das pedras que me jogam -
que insistem em abrir.

Sou uma pecadora, Senhor
Nasci em pecado.
E "Todos pecaram..."
mas as pedras chegam à apenas alguns.
Sinceramente, Senhor,
sou
uma pecadora.

Sinceridade...
e quem acreditará?
e será suficiente?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Ezra Pound

"Toda a arte começa na insatisfação física (ou na tortura) da solidão e da parcialidade."



Envoi



Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.


Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.


*Obs: foi lindo o jogo de hoje!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A água

 ... nunca discute com seus obstáculos, simplesmente os contorna.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

As coisas poderiam ser de outro jeito - continuar, mesmo que menos.

"Podemos pensar que as coisas podiam ter sido de outra forma porque as coisas podem ser sempre de outra forma. (...) ...Mas não adianta pensar nisso agora. Todos fizémos o que achámos que deveríamos fazer. Temos de seguir em frente. A hora é para continuar, não para remoer doentiamente em chão mais do que pisado. Vamos continuar. Mesmo que mais pequenos e mais solitários." - Pedro Meixa, 08 jun 2003.

São as palavras de Pedro Meixa sobre os últimos acontecimentos antes de acabar o blogger. E em situações desagradáveis é sempre isso mesmo que se pensa. Com finais contrários à nossa vontade é pensar no que poderia ter sido feito, pensar em outras saídas perfeitas que nos faz "remoer doentemente em chão mais do que pisado."
O "[m]esmo que mais pequenos e mais solitários." é varrido pelo "[v]amos continuar". Não há o que se fazer, apenas continuar. Não há o que se pensar ou lamentar, continuar, pois o tempo não pára.
Continua-se, então, com o menos, com a perda, com a falta, com o vazio do que falta. Isso é continuar: conviver com o menos.
Mas, por que essa angústia por um mais que se foi e que faz falta? O mais, nesse caso, não deixa um vazio? Bem, o que é vazio agora indica que era um cheio outrora. E cheio, perda, vazio, tem algo a ver com plenitude.
Então, por que ser pleno?

quinta-feira, 27 de maio de 2010

algo comum

Outro dia, pesquisando sobre uma imagem da infância que queria rever, de repente, me perdi! Era uma pintura, um quadro. Uma mulher em um campo com folhagens soltas e altas, como se fosse trigo.
Tinha vento nessa pintura porque o seu vestido claro balançava, assim como o seu cabelo.

Não me lembro ao certo se existia chapéu ou sombrinha. Aí é que está: existiam detalhes apagados pela memória que me restavam em suspenso, sem uma certeza. Sem saber se era eu quem os queria no quadro da minha imaginação ou se de fato existiam no quadro que vi.

Uma coisa, o quadro existiu e em mim restou como uma impressão.

Outra coisa, o quadro representou algo mim pois o guardei até hoje ao ponto de ter a intenção de vê-lo novamente.

Então, fui procurar o quadro.

Mas olhe,







existem pelo menos três quadros com o mesmo motivo. E agora?
E ainda existem outros quadros semelhantes. Peguei os que se pareciam mais com o que eu guardo.
Mas, e agora?

É um quadro comum. Foi a conclusão que cheguei, e fiquei assustada com ela. Pra mim parecia tão único...
É comum. Comum.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

"O grandioso e o majestoso, assim como a glória e o mágico sucesso me deixam calada, triste, mas as coisas fáceis de pintar, simples de se compreender, onde mora a ternura e o amor do nosso povo, isso me consola, isto me comove. (…)"



Anita Malfatti

segunda-feira, 22 de março de 2010

Hoje são 15 horas e 15 minutos.
Agora é dia 22 de março de 2010.

Sexta-feira foi dia 19 de março de 2010.
O céu era alto e azul com nuvens ora brancas, ora cinzas.
Foi de 1 hora às 24:59 minutos de sexta.
Um dia.

Depois foi sábado e as horas foram ainda de 1 às 24:59.
Depois foi domingo, de 1 às 24:59.
E hoje são 15:15 de agora dia 22 de março.
Agora é segunda-feira.

Eu sou de cabelo mediano, tenho imagens na cabeça, faço arte com os brincos.
Sou do olhar de baixo de uns, do olhar de alto de poucos.
Sou de olhos azuis - vejo azul em tudo o que vejo.
Sou samedi e dimanche.
Vários olhares páram no meio da retina.

sexta-feira, 12 de março de 2010

"e que excitante é a estética repetida de um começo."

tem uma época que parece que tudo emperra. nada prospera, nada sai do lugar, nada se move. está tudo parado.
e aí você empurra, empurra, puxa, faz força, tenta de cá, tenta dalí, acolá... e nada.
nada se move.
começa a vir o desespero, a idéia de que não mudará nunca, o medo de estagnar.
por causa do medo e do desespero aparece uma força - vinda não sei de onde já que não se presume que força é, pois forças não há mais - que ainda te faz levantar e empurrar mais.
ah! parece que se moveu. e pensar no mais leve movimento já é um forte estímulo para continuar empurrando.
mas daí, continuas. empurra e empurra mas nada sai do lugar mesmo. e percebes que forças realmente já não tens mais e, ainda, quando olha pra tudo já desanimado parece que foi apenas uma impressão ver a coisa toda se mover.
desânimo agora. não mais desespero nem medo e nem nada que dê forças, pois as forças se foram.
agora é... tanto faz.
assim você cai numa inércia profunda e num cansaço mortal. como se a morte realmente rondasse espreitando agora pronta para te pegar, presa fácil, fragilizada.

há lá em algum lugar uma impressão que parece dizer: calma.
bom, é calma mesmo, fazer o quê?
uma calma sem esperanças de nada.

até que alguém te puxa, ou parece que alguém te puxa pois empiricamente não há ninguém e nenhuma mão.
e ao se levantar as coisas vão aparecendo e sendo aquilo que você gostaria. e aquilo que você queria acontece, está na sua frente!
a coisa toda saiu do lugar!
você sorri, feliz e calma, sorri...
e só resta dizer: ah, era tudo o que eu queria!
era tudo o que eu queria!
sim, era tudo o que eu queria!


"e que excitante é a estética repetida de um começo."

Silvia Beirute

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

se va enredando, enredando...

"Mi paso retrocedido cuando el de usted es avance
El arca de las alianzas a penetrado en mi nido
Con todo su colorido se ha paseado por mis venas
Y hasta la dura cadena con que nos ata el destino
Es como un diamante fino que alumbra mi alma serena."


Não sei.
De repente foi só uma coisa chata, uma bobeirinha, sabe? Mas, de repente não quero  mais.
Não sei o que acontece. Acho que estou cansada.
E acho que isso é um saco!
Ah, acho que não quero mais quase nada. Perdi um pouco a graça, sabe?
Então, por que?
É o mundo, são os planos, são os sonhos, são os outros, somos todos, é você, meu cachorro, é um filme, sou eu.

Não quero que nada se perca pelo caminho. Que nada fique para trás, mas... e se ficar? e se ficou?
Não vou voltar recolhendo o que se perde, e não vou lamentar a perda. Espero que isso não faça falta ou não crie problemas.
Espero não olhar com um olhar cansado.
Espero não me fechar. Ou que antes, eu sempre me abra.
Vai, vai juntando as coisas.

Ah, só quero dormir e descansar!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Dias nublados... e o mar!

Vou pintar pra você um dia nublado,
com céu fechado e, lá no alto,
algum pássaro.



Calor... tem dias aqui nessa cidade em que tudo tende à vertigem.
É sol de cima abaixo.
Calor que vai para os lados, queimando.

Poderiam vir mais dias nublados...

E o que eu queria mesmo: o mar!
Esse com sol, com chuva, vento ou frio, tanto faz... é o mar!!

"Y en el mar enseña el amor
un arrebato repetido."

Mar: ainda hei de acordar e todos os dias te olhar!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Alagados



 
Ninguém esperava que chovesse tanto. Ninguém esperava que os rios e córregos transbordassem. Nem que as encostas descessem, ou que a água ficasse mais de um mês, 45 dias, sem escoar ou diminuir.

Também ninguém esperava que tantos pontos de alagamentos acontecessem em tantas cidades diferentes e nem em tantos pontos de uma mesma cidade.

Água subindo e engolindo uma cidade cercada por serras. Pessoas subindo as encostas das serras. Nas mãos o máximo de objetos que elas podiam levar de suas casas. Uma cidade que ficou quase dois dias embaixo d'água.

Vila Romana: água pela cintura; rio que transborda e água que não diminue e nem escoe desde o final de 2009, em dezembro; esgoto e água misturados; pessoas que não podem sair de suas casas por não terem a onde ir; e ladrões que ainda entram nas casas vazias para roubar o que resta nelas.

Estradas rompidas com imensas rachaduras que mais se parecem com abismos, pois não param de crescer abrindo buracos.

Perde-se tudo.

Água, lama, lixo, esgoto.
Sujeira em todos os lados.
Janeiro: o mês que mais chove desde 1943.
"Desastres naturais" e humanos.
Alagamentos acometendo até países vizinhos.
Prejuízos e destruição.
Estado de Emergência.
Milhões de desabrigados.
Morros desabando.
Chuvas, enchentes, desmoronamentos.
Bueiros com água explodindo para cima.
Susto e desepero.
Mortos.
Tristeza.
Lágrimas.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Nostalgia.. lembranças

"Quanto mais forte é a sua nostalgia, mais ela se esvazia de lembranças.

A gigantesca vassoura invisível que transforma, desfigura, apaga as paisagens está trabalhando há milênios, mas seus movimentos, outrora lentos, apenas perceptíveis, aceleram-se de tal modo que eu me pergunto: a Odisséia, hoje, seria concebível? A epopéia do retorno pertence ainda a nossa época?

...da primeira juventude, esse tempo encerrado, perdido, tempo abandonado, triste como um orfanato...
Quanto mais vasto o tempo que deixamos para trás, mais irresistível é a voz que nos convida ao retorno.

...aquela que tomou conhecimento do tempo, que deixou um pedaço de sua vida para trás e que pode virar a cabeça para olhá-lo.

Uma conversa contínua embala os casais, sua corrente melodiosa estende um véu sobre os desejos declinantes do corpo. Quando essa conversa é interrompida, a ausência de amor físico surge como um espectro.

...o passado que lembramos é desprovido de tempo.

Miséria e orgulho. Em cima de um cavalo a morte e um pavão. Ela está de pé em frente à janela e olha o céu. Céu sem estrelas, cobertura negra."


M. Kundera

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Olhando o céu...

Olhando o céu, ele está tão bonito com essa cor rósea de cara de chuva. E isso é tão bom. Vai chover hoje. Já choveu. Choverá mais.

Estou nas nunvens azuis, azuizinhas... ah!

Me pega pela mão, me olha e sorri.
Se encanta com o meu sorriso e diz sentir falta,
falta de mim.

Você vem sempre aqui?
Alegria que transborda!
Enche todos os cantos com cores diversas
e bocejos matinais. Bom dia, meu amor!

O céu está azulzinho!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010



"O que se sonha quando tudo se torna realidade?
Porventura achei uma resposta, simples, mas ainda uma resposta que um coração bobo te dá. A resposta é que cada dia é um sonho, cada momento é único e especial, então se espera sempre o hoje e o amanhã e procura-se entender esse ser que te faz tão feliz!"


F. Filho.
Esse ser pra mim também é: você!

"Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
...
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente."

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010



"Eu não sei, não sei dizer
Mas de repente essa alegria em mim
Alegria de viver
Que alegria de viver
E de ver tanta luz, tanto azul!
Quem jamais poderia supor
Que de um mundo que era tão triste e sem cor
Brotaria essa flor inocente
Chegaria esse amor de repente
E o que era somente um vazio sem fim
Se encheria de cores assim
Coração, põe-te a cantar
Canta o poema da primavera em flor
É o amor, o amor chegou
Chegou enfim"


Vinícius de Morais

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

ensaio sobre a paixão - o que está apenas no sonho...

o que é a paixão?


de repente, o que é estar apaixonado?

é como uma admiração profunda e sincera. uma admiração do outro, pelo o que se está apaixonado. como uma dominação pelo o outro ou uma adoração silenciosa que envolve uma humildade e um certo reconhecimento do que é do outro. e do que ele é. do que é dele e, sim, inteiramente admirável.

como uma admiração serena e plena. algo tranquilo que envolve uma alegria serena que demora a passar ou, que antes, não passa nunca por não ser apenas um momento. é um fato. que por ser fato de repente pode ser novamente admirado.

uma admiração que faz olhar e querer olhar. que prende o olhar, porque o fascina, porque o deixa extasiado e que seria cabível e totalmente possível permanecer assim sempre, olhando para o motivo da paixão. e é o lugar pra onde o olhar sempre se volta, quando é desviado ou mesmo forçado a olhar para outra direção.

uma admiração que leva a esse lugar de paz e serenidade, de êxtase e euforia porque é algo pleno. é algo que completa ou, que ao menos, dá essa sensação. pois é algo que preenche os espaços dentro da alma e a resgata lá do fundo do ser ou do local em que ela se perde, trazendo-a de volta ao corpo e fazendo-a percorrer e sacudir o corpo todo. é trazida até os póros. corre como uma torrente porque vem à tona. o seu motivo a chama de repente, e não mais que de repente.

de repente. essa é a marca da paixão. algo repentino que invade o corpo, que chama a alma para o corpo, que a solta da ignorância e indiferença na qual ela passa boa parte do tempo.

de repente. porque a alma é trazida por inteira. não mais uma parte, como está acostumada a aparecer. não mais metade, como representação do nosso pensamento dual mente/corpo. mas como uma união perfeita entre esse dualism - mente/corpo - que causa arrepios e nos deixa em êxtase.

é uma admiração. um êxtase. uma plenitude. arrepios e comoção. um de repente paralizante.



(acho que isso é paixão! 2010..rsrs)