quinta-feira, 5 de agosto de 2010

um feminino deslocado e transgressor

Quando penso em parar de escrever, parar de estudar e sair, curtir a tarde, algum caso, ver novelas bobas ou até ir ao cinema, sinto algo que me prende.

Conversar, ver vitrine, ter um namorado, se importar sobre cabelo, unhas, maquiagem, manter a forma - estrita forma! - magra e de "mulherão", fazer as sobrancelhas, ser amorosa, cuidadosa, atenciosa, meiga e dócil, (ops!) quer dizer, ser doce.
Mas tão nova, não tem interesse em sair, não quer conhecer gente nova, arranjar um namorado - e mantê-lo!, não pensa em casar, ter filhos...
Quando não estuda faz coisas estranhas, não se socializa, sempre os mesmos amigos, os mesmos lugares, e em casa por gostar de estar em casa sendo solteira e jovem???
Isso é uma loucura!

Poderia, bem que poderia, mas não cabe.
Não é isso que eu quero. Não é isso que está aqui dentro de mim, chamando minha atenção.
Esse tempo, tempo inútil, perdido fazendo coisas que não me agradam; que agradam os outros.
Me controlar em um acesso de fúria, de raiva. E a mais sincera irritação? Não, não.
Pra ser meiga, doce e passiva? Ah, passiva! Não, não sou passiva.
E isso destrói os seus castelos de areia construídos a minha volta.
Isso destrói as imagens que você fez de mim.
Eu destruo o que você procura em mim.

Desculpe, meu bem, mas sou mais do que você pensava em ter, e aí está o por quê de sua admiração;
e sou mais do que você queria ter, e aí você entra em choque porque existem tantas coisas em mim que são inconciliáveis e que não cabem no sonho perfeito do amor, onde eu, a mulher, sou a que abro mão, a que sempre cede.

Sim, gosto de unhas grandes e de cores nelas. Gosto dos cachos que saltam da minha cabeça.
Mas que fique claro que isso é gostar e que é meu, não seu, não de um mundo masculino que fecha as minhas pernas e as cruzam como sinal de bem lacrado.
Desse mundo masculino que olha para as minhas saias e dizem ser curtas demais, afinal, "Que mulheres usam saias curtas? Você até estuda!"
Meu bem, não me mande trocá-las. Não exerça em mim os seus comandos masculinos, com a sua voz grave e séria, pesada.
Não é assim a voz masculina?
E a feminina? Histérica?
Talvez.

E é aí que não consigo ficar longe do teclado e dos livros. Realmente, é pra isso que eu "até" estudo.
Para retirar essa concepção de feminilidade passiva e dócil - dócil sim, como um animal a ser domesticado.
Para desconstruir o que falam de mim em um mundo machista e masculino.
Estou deslocando você.
Transgrido normas, comportamentos, pensamentos; enquanto que outros eu aceito de bom grado. E isso, isso meu bem, te deixa louco!
Sem entender o que está acontecendo. Sem saber se me amaldiçoa, ou se me beija.

Sou progenitora e portadora da vida. Sou eu quem a continuo, quem carrego essa possibilidade dentro de mim.
Mas, olha só, não há mais ciclos menstruais, nem TPM's nervosas e depressivas, nem a lembrança dessa fecundidade todos os meses.
Não há.
O que há, então?
Há dias com níveis estáveis de hormônios circulando pelo meu corpo.
O que houve?
Houve a decisão, minha, de não querer me lembrar da possibilidade de vida que levo.
Houve a vontade de sentir raiva apenas porque o mundo me enraivece constantemente.
E de dizer, mesmo sem essa marca maior das mulheres: Eu sou uma mulher! Isso também é ser mulher!

É por isso que sento e fico horas escrevendo e lendo. Vendo o corpo da escrita se formar lentamente.
Livros como torrentes, ideias e teorias "nem sempre producente".
O caos desta mesa, o amontoado de letras.
Ao lado, peças pintadas, desenhos, gestos e fisionomias congeladas.
De repente, levanto-me, pego um copo d'água e ando pela casa.
É uma falta de lugar.

"A mulher se pergunta quantas vidas seriam necessárias para se fazer tudo. Ler os livros necessários, amar os amores felizes, gozar os corpos agradáveis, dizer as palavras certas, escrever a tese inevitável, elucidar as dúvidas e justificar escolhas, ser mal compreendida, sofrer as perdas irrecuperáveis, mudar o cabelo de vez em quando, entender o que deve ser entendido, fazer-se entender no que deve ser entendido."

E eu respondo: uma.

"É necessário reconhecer o prazer de fazer o que faz, mesmo que em alguns momentos seja penoso, o corpo cansado das longas horas e das longas páginas nem tão longas assim. Estar acordada enquanto todos dormem. Conforma-se em ser uma adiadora. P/rever a percepção de seus caprichos. Acadêmicos. Outros. É necessário saber que uma outra cidade antiga/nova/insuspeita a espera e espreita de dentro de sua longínqua existência."



Com a participação de Luciana Borges, entre as aspas.

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